quarta-feira, 2 de novembro de 2016


DOIRADAS SÃO AS AREIAS DO GRANDE AREAL, MAS AS PEPITAS DE OURO FULGEM AINDA MAIS E ATRAEM OS SERES HUMANOS DESDE TEMPOS IMEMORIAIS

 
Os mais antigos ainda guardam na memória dos seus “medos” o que os pais e os avós lhes contavam sobre as minas existentes para lá da Fonte da Telha, terra de gente tão pobre a viver à beira de riquezas e esplendores inimagináveis.

“Medos” criados, por certo, para afastarem a criançada de uma zona que tanto tem de bela e monumental como de perigosa, a escarpa mais a sul da Arriba Fóssil, a que noutros tempos chamavam rocha, lá para os lados da Mina, no caminhar pela areia da praia na direção da Lagoa de Albufeira.

Falava-se, então, dos perigos que corriam as pessoas que se deslocavam até à Adiça no sonho de encontrarem uma pepita de ouro que os iria tirar definitivamente da miséria em que viviam. Dizia-se “à boca cheia” e sempre chegava aos ouvidos dos mais novos que ao lado de uma mina de ouro havia sempre uma mina de peste e que ao mais leve deslize a terrível doença que em Lisboa tantos mortos causava seria certa.

Nestas histórias que a tradição vai fazendo passar de boca em boca nas conversas de fim de dia junto ao fogo de chão, existe sempre algum fundo de verdade. Na realidade, diversa documentação refere a exploração de minas de ouro em terras da Adiça (“Ad-díçâ”) desde os tempos mais remotos.

Alguns estudiosos referem a origem de Almada, como topónimo da povoação situada do lado sul do rio Tejo, frente a Lisboa, na designação árabe dada a mina, “lugar onde há coisa em abundância, no caso, palhetas de oiro arrastadas pelas águas do Tejo… e recolhidas pelos moradores do sítio, junto ao forte”, mina de ouro, que pela sua importância mereceria ser adotada como topónimo – Al-madaan[1] > Almadana > Almadaa > Almada. O geógrafo árabe Ebn Edrisi escreveu na Sicília, onde se encontrava refugiado, pelos anos de 1151 a 1153, falando do Castelo de Almada (que quer dizer Castelo da Mina) que “assim se chama por causa do ouro que para ali acarreta o mar, quando anda bravo”.[2] O velho geógrafo árabe esteve, segundo Alexandre Herculano, em Hespanha entre 1142 e 1147 onde fez as suas observações pessoais. (Citado por Júlio de Castilho e David Lopes).

De leituras várias de textos mais ou menos ficcionados e de referências históricas diversas podemos mesmo concluir que além da aliciante situação geográfica de beira-rio, junto ao estuário do rio Tejo, terá sido a existência de ouro na região que originou um desenvolvimento extraordinário do que viria a ser a importante cidade de Almada. Há autores que defendem mesmo que o povoado de Caparica[3] deve a sua existência e esplendor aos “adiceiros” tendo sido a Foz do Rego o núcleo principal da atividade mineira que durante séculos se desenvolveu na medieva Adiça, no termo de Almada.

Damião de Góis [2 de Fevereiro de 1502 – 30 de Janeiro de 1574], na sua obra “Descrição de Lisboa[4] escreve: “A margem deste lado, descendo quase a pique sobre o mar, forma um espinhaço arqueado que se dirige para sul, até ao Promontório Barbárico [Cabo Espichel]. Entre os recôncavos dessa margem, há passagens inacessíveis e sinuosas, espécie de baixios. Ora é precisamente ali que os homens vão procurar o ouro, misturado com a areia, sobretudo no lugar chamado Adiça, embora também se encontre noutros sítios, ao longo da margem do Tejo. O facto era já conhecido dos antigos, pois alguns autores escreveram que o Tejo tinha abundância de ouro e pedras preciosas”.

Até mesmo a ascensão de Lisboa a capital de uma região e de um reino, de reinos tantos se recuarmos a tempos remotos, não será alheia ao facto da existência de ouro na região, em local de fácil acesso à navegação de cabotagem.

Quando trazemos à memória histórias que a História conta dos primórdios da ocupação humana das terras lusas, a epopeia do destemido pastor Viriato, que dos Hermínios desceu para nas planícies se tornar caudilho dos Lusitanos, em territórios de aquém e além “rio Tajo”, o ouro (o ouro da Adiça) está sempre presente na história e no imaginário das gentes mais antigas.

Não é, pois, de espantar que um dos segredos guardados por Idevor, o último dos druidas da Península Ibérica, a viver na Ilha Sagrada da Achala [Anicha, Portinho da Arrábida?] não muito distante das minas de ouro, pai adotivo de Lísia, eternamente noiva de Viriato, seja o segredo do “Colar de Ouro dos Três Crescentes[5].

As minas de ouro da Adiça já eram exploradas no reinado de D. Afonso Henriques, contudo, a referência histórica mais antiga acerca da mina de ouro remonta a 1210 (D. Sancho I) e corresponde à doação da décima parte da sua produção aurífera ao mestre da Ordem de Santiago, ao comendador de Palmela e ao Capítulo e que voltam à posse real no reinado de D. Afonso III.

No decorrer do tempo a designação da localização da referida mina de ouro foi sofrendo alterações na respectiva grafia: em 1210 – “adicia”; em 1245 – “adiça”; em 1272 – “adicie”; e em 1310 – “aldiça”. Terá sido, pois, a grafia usada em 1245 que prevaleceu até à atualidade – ADIÇA.
[CONTINUA]



[1] Anteriormente à ocupação árabe já os cartagineses e os romanos haviam explorado e extraído ouro da Mina da Adiça e das areias de aluvião do rio Tejo
[2] Citado em “MEMÓRIA sobre a nova mina de ouro da outra banda do Tejo”. Lida em 10 de Maio de 1815. In Memórias da Academia Real, fl. 147
[3] O mais antigo documento que regista o topónimo “Caparica” data de 13 de Janeiro de 1529, segundo Conde de Arcos.
[4] Urbis Olisiponis descriptio (Évora, 1554; Frankfurt, 1603; Coimbra, 1791; Raul Machado, Lisboa 1937; Tradução inglesa, New York, 1996)
[5] Viriato – História de uma epopeia lusitana, de Teófilo Braga, Apeiron Edições, Portimão 2011

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