DOIRADAS
SÃO AS AREIAS DO GRANDE AREAL, MAS AS PEPITAS DE OURO FULGEM AINDA MAIS E
ATRAEM OS SERES HUMANOS DESDE TEMPOS IMEMORIAIS
[continuação]
O Oiro da Adiça, a Lenda da
Capa-Rica e os Eremitas de São Paulo
As
lendas que são transmitidas por via oral, de pais para filhos, de geração para
geração, vão ganhando tonalidades poéticas, são acrescentadas de muita
imaginação, mas sempre contém um fundo de verdade que muitas vezes se perde nas
brumas do tempo.
Numa
recolha de Gentil Marques para a Porto Editora reza assim a “Lenda da Capa
Rica”:
“Há
muitos, muitos anos, quando a Caparica era apenas um local ermo, com meia dúzia
de casas, apareceu uma criança muito bonita, pobremente vestida que ninguém
sabia donde vinha.
Um
velho da freguesia da Senhora do Monte tomou conta dessa menina que não sabia
nada sobre a sua origem, apenas sabia que possuía aquela capa que trazia. O
velho reparou que a capa, apesar de muito velha, era uma capa de qualidade,
provavelmente pertencente a uma família rica ou mesmo nobre.
Passaram-se
muitos anos até que a menina se tornou numa bela jovem. Estando o velho às
portas da morte pediu-lhe, como última vontade, que pusesse a sua capa por cima
dele para o aquecer naqueles últimos momentos, dizendo à jovem que aquela capa
velha era uma capa rica. A jovem fez-lhe a vontade e, quando o velho morreu,
juntou o pouco dinheiro que restava para lhe dar uma sepultura digna.
Passou
dias sem comer e noites sem dormir mas tinha a consciência tranquila de ter
retribuído tanto em vida como na morte a bondade do velho. A jovem ficou
naquele casebre e envelheceu sozinha.
O
povo, que a achava estranha e lhe chamava bruxa, reparou que ela tinha o ritual
de subir ao alto do monte e, num ar de êxtase, rezava a Deus pedindo-lhe que
quando morresse o Manto Divino de Nossa Senhora do Monte cobrisse com a Sua bênção
todos aqueles que naquela localidade A veneravam. Ao terminar aquelas palavras
ela pegava na sua capa velha e erguia-a ao céu.
Este
estranho comportamento chegou aos ouvidos do rei que a mandou vir à sua
presença, acompanhada da famosa capa que todos diziam ter feitiço.
A
velha senhora disse ao rei que nada tinha a ver com bruxedos e que o que fazia
era apenas rezar a Deus. Comovido, o rei mandou-a embora com uma bolsa de
dinheiro e a velha continuou a sua vida solitária até que um dia morreu.
Junto
do corpo da Velha da Capa, que era como o povo a designava, encontraram uma
carta dirigida ao rei. A Velha da Capa tinha descoberto na hora da sua morte
que a capa era afinal uma capa rica porque tinha encontrado uma verdadeira
riqueza escondida no seu forro. Pedia ao rei que utilizasse aquele tesouro para
transformar aquela costa numa terra de sonho e maravilha onde houvesse saúde e
alegria para todos.
Reza
a lenda que foi assim que surgiu a Costa da Caparica, em homenagem de uma
menina de origem desconhecida que tinha como único bem uma capa velha que
afinal era uma capa rica.”
Não se afastará muito
da origem remota desta lenda, a profissão de “adiceiros” ou “ourivezes” de
muitos dos homens do Monte e da Charneca, muitos deles a viverem no tempo da
safra em casebres construídos nas imediações da Foz do Rego.
O ouro que obtinham no
garimpo e, muito em especial, a “miragem” das pepitas de ouro que sonhavam
obter foi-se incutindo nas histórias que na oralidade da transmissão foram
enriquecendo o imaginário das gentes até em lenda se transformar.
A existência de ouro
“em abundância” na Foz do Rego e, com muita probabilidade, na ribeira da
enxurrada que desagua perto, depois de atravessar todo o vale no lugar à época
designado por Barriga, na Charneca de Caparica, não é por certo alheia à
escolha desse local pelos religiosos eremitas de São Paulo para aí construírem
um eremitério, atendendo também à riqueza aquífera do sítio.
Cerca de 1410 os
terrenos terão sido doados por D. João I a Mendo Gomes de Seabra, guerreiro
pertencente às tropas de D. Nuno Álvares Pereira que para salvação da sua alma
em eremita se tornou, onde construiu a casa de raiz.
Funda um convento para
albergar os eremitas de São Paulo a que deu o nome de Convento da Cela Nova
(por alguns designado por Mosteiro), que com o decorrer dos tempos recebeu o
nome de Convento de Nossa Senhora da Rosa (de Caparica), aparecendo no século
XVI já referido como Santa Maria da Rosa.
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