segunda-feira, 7 de novembro de 2016


DOIRADAS SÃO AS AREIAS DO GRANDE AREAL, MAS AS PEPITAS DE OURO FULGEM AINDA MAIS E ATRAEM OS SERES HUMANOS DESDE TEMPOS IMEMORIAIS

[continuação]
 
 
O Oiro da Adiça, a Lenda da Capa-Rica e os Eremitas de São Paulo

As lendas que são transmitidas por via oral, de pais para filhos, de geração para geração, vão ganhando tonalidades poéticas, são acrescentadas de muita imaginação, mas sempre contém um fundo de verdade que muitas vezes se perde nas brumas do tempo.

Numa recolha de Gentil Marques para a Porto Editora reza assim a “Lenda da Capa Rica”:

“Há muitos, muitos anos, quando a Caparica era apenas um local ermo, com meia dúzia de casas, apareceu uma criança muito bonita, pobremente vestida que ninguém sabia donde vinha.

Um velho da freguesia da Senhora do Monte tomou conta dessa menina que não sabia nada sobre a sua origem, apenas sabia que possuía aquela capa que trazia. O velho reparou que a capa, apesar de muito velha, era uma capa de qualidade, provavelmente pertencente a uma família rica ou mesmo nobre.

Passaram-se muitos anos até que a menina se tornou numa bela jovem. Estando o velho às portas da morte pediu-lhe, como última vontade, que pusesse a sua capa por cima dele para o aquecer naqueles últimos momentos, dizendo à jovem que aquela capa velha era uma capa rica. A jovem fez-lhe a vontade e, quando o velho morreu, juntou o pouco dinheiro que restava para lhe dar uma sepultura digna.

Passou dias sem comer e noites sem dormir mas tinha a consciência tranquila de ter retribuído tanto em vida como na morte a bondade do velho. A jovem ficou naquele casebre e envelheceu sozinha.

O povo, que a achava estranha e lhe chamava bruxa, reparou que ela tinha o ritual de subir ao alto do monte e, num ar de êxtase, rezava a Deus pedindo-lhe que quando morresse o Manto Divino de Nossa Senhora do Monte cobrisse com a Sua bênção todos aqueles que naquela localidade A veneravam. Ao terminar aquelas palavras ela pegava na sua capa velha e erguia-a ao céu.

Este estranho comportamento chegou aos ouvidos do rei que a mandou vir à sua presença, acompanhada da famosa capa que todos diziam ter feitiço.

A velha senhora disse ao rei que nada tinha a ver com bruxedos e que o que fazia era apenas rezar a Deus. Comovido, o rei mandou-a embora com uma bolsa de dinheiro e a velha continuou a sua vida solitária até que um dia morreu.

Junto do corpo da Velha da Capa, que era como o povo a designava, encontraram uma carta dirigida ao rei. A Velha da Capa tinha descoberto na hora da sua morte que a capa era afinal uma capa rica porque tinha encontrado uma verdadeira riqueza escondida no seu forro. Pedia ao rei que utilizasse aquele tesouro para transformar aquela costa numa terra de sonho e maravilha onde houvesse saúde e alegria para todos.

Reza a lenda que foi assim que surgiu a Costa da Caparica, em homenagem de uma menina de origem desconhecida que tinha como único bem uma capa velha que afinal era uma capa rica.”

Não se afastará muito da origem remota desta lenda, a profissão de “adiceiros” ou “ourivezes” de muitos dos homens do Monte e da Charneca, muitos deles a viverem no tempo da safra em casebres construídos nas imediações da Foz do Rego.

O ouro que obtinham no garimpo e, muito em especial, a “miragem” das pepitas de ouro que sonhavam obter foi-se incutindo nas histórias que na oralidade da transmissão foram enriquecendo o imaginário das gentes até em lenda se transformar.

A existência de ouro “em abundância” na Foz do Rego e, com muita probabilidade, na ribeira da enxurrada que desagua perto, depois de atravessar todo o vale no lugar à época designado por Barriga, na Charneca de Caparica, não é por certo alheia à escolha desse local pelos religiosos eremitas de São Paulo para aí construírem um eremitério, atendendo também à riqueza aquífera do sítio.

Cerca de 1410 os terrenos terão sido doados por D. João I a Mendo Gomes de Seabra, guerreiro pertencente às tropas de D. Nuno Álvares Pereira que para salvação da sua alma em eremita se tornou, onde construiu a casa de raiz.

Funda um convento para albergar os eremitas de São Paulo a que deu o nome de Convento da Cela Nova (por alguns designado por Mosteiro), que com o decorrer dos tempos recebeu o nome de Convento de Nossa Senhora da Rosa (de Caparica), aparecendo no século XVI já referido como Santa Maria da Rosa.

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