DOIRADAS
SÃO AS AREIAS DO GRANDE AREAL, MAS AS PEPITAS DE OURO FULGEM AINDA MAIS E
ATRAEM OS SERES HUMANOS DESDE TEMPOS IMEMORIAIS
[Continuação]
O druida Indevor - Viriato - Ebn Indrisi
Mas onde se situa geograficamente a Adiça?
A
resposta a esta questão tem dado origem a opiniões diferentes e a profundas
divergências, podendo até, na tradição popular eventualmente vertida para documentos
e mapas, existirem dois “sítios” a que é atribuída a designação de “Adiça”[1].
Citemos
algumas passagens de documentação régia referindo-se à “Adiça” e a “minas de
oiro”:
“…
onde agora está a casa dos nossos adiceiros e as fontes e rego onde lavram o
ouro dos medos…” – quando em Outubro de 1468 D. Afonso V faz da Adiça couto de
hominizados.
“…
não ocupando eles os ditos nossos adiceiros qualquer água do rio do rego que
lhe for necessária…” – quando em 6 de Novembro de 1469 D. Afonso V concede por
dois anos a Lopo de Almeida e a Lourenço Fiorentino a exploração do ouro na
Adiça.
Sabemos,
assim, que o local onde se encontra ouro em abundância (“al-maden”) é na Foz do
Rego e o pouco interesse que tem a “Mina do Príncipe Regente” (ou “Mina de
Ouro”, ou “Cabeço da Ponta do Mato” – cerca de 3 quilómetros a sul da Fonte da
Telha) explorada por Andrada e Silva (ver CHOFFAT).[2]
A
exploração significativa desta mina, considerada por muitos a mais importante
mina de ouro de Portugal, pode ser analisada segundo três períodos
cronológicos:
I – de D. Sancho I até D. João III (de 1210
até 1526)
II – de 1814 até 1826
III
– de 1829 até 1834
I – de D. Sancho I até D. João III
Na
carta régia de 9 de Dezembro de 1210 D. Sancho I faz a doação das minas de ouro
que designa por “adicia” à Ordem de Santiago.
A
grande euforia extractiva verifica-se no primeiro período iniciado com a doação,
que foi confirmada em 6 de Fevereiro de 1218 pelo rei D. Afonso II.
A
partir do reinado de D. Afonso III a mina deixou de ser explorada diretamente
pela coroa como até aí, passando a ser feita por particulares, com a obrigação
de ser para o rei um quinto do ouro extraído. Para que esse quinto fosse
garantidamente entregue à coroa foi criado um sistema de fiscalização a cargo
do “Quinteiro”.
Quinteiro
– “Funcionário régio incumbido de
fiscalizar a exploração das minas de ouro, uma vez que esta atividade se
encontra a cargo de particulares”, in “Dicionário
da História de Portugal”, de Joel Serrão. O “quinteiro” foi buscar o seu nome ao facto de retirar um quinto da
produção da exploração para entregar à coroa. O cargo existiu, pelo menos,
desde o reinado de D. Afonso III (1248-79), tendo este determinado que os “adiceiros” somente responderiam perante
o seu “quinteiro”. Posteriormente,
deixaram de ser de nomeação real, passando a serem eleitos pelos próprios
mineiros.
Em
1290, o rei D. Dinis procura excitar a exploração das minas de ouro concedendo
privilégios a todos aqueles que nelas trabalhavam e continuassem a fazê-lo.
Deve-se a D. Dinis a iniciativa de cognominar de “Adiceiros” quem se ocupasse da extração de ouro em todo o
Riba-Tejo.
A
obra “Monarchia Lusitana” na parte
que se refere a “Da vinda d’el Rey D.
Diniz a Coimbra, com outras memórias deste anno” é afirmado que “do ouro da Adiça se fez o cetro & coroa
que os Reys de Portugal costumam trazer nos actos públicos”.
Adiceiros (ou ourivezes da Adiça)[3]
– Inicialmente esta designação foi dada aos que trabalhavam nas minas de ouro
da Adiça (D. Dinis). Depois passou a designar os que extraiam ouro em todo o
Riba-Tejo. Mais tarde assim eram chamados os que extraiam ouro de qualquer mina
existente em Portugal.
Em
1439 eram 45 os adiceiros, todos referidos como residentes em Almada. Muitos,
por certo, residiriam junto à mina ou mesmo no alto da rocha[4],
em terras de Charneca. A atividade desta mina é grande importância social devido
ao impacto que tem no mundo do trabalho da região onde está implantada.
Em
1458, os adiceiros estavam agrupados em Grupo
dos 21 e Outros. Os do Grupo dos 21
eram os mineiros-mores, “mineiros do número” ou “mineiros do conto”, incluindo o
alcaide da Adiça, um escrivão dos adiceiros, um ouvidor, um vedor, um juiz e um
ou mais mestres. Pagavam anualmente ao rei duas coroas em bom ouro; eram
oficiais de nomeação régia e não eleitos pelos mineiros e eram os exploradores
legais da mina.
Gozavam
de muitos privilégios, tais como, não irem à guerra em terra ou no mar, não
pagarem jugada nem foro algum das suas fazendas e outros mais que constam da
Carta de Confirmação de El-Rei D. Manuel, de 2 de Maio de 1497, onde vêm
mencionadas todas as cartas de privilégios concedidas pelos reis antecessores
àquele.[5]
Tinham,
contudo, a obrigação de entregar ao rei metade do ouro que se apanhava na
Malhada.
O
grupo dos “Outros” era constituído por 23, chamados mineiros menores, e pagavam
ao rei uma coroa por cabeça. Praticamente não tinham privilégios.
Eram
muitas as queixas das gentes de Almada acerca do abuso dos privilégios e do
comportamento antissocial dos adiceiros. O mesmo acontecia em relação às suas
mulheres cujas ocupações principais eram como padeiras e regateiras. Tinham um
comportamento muito conflituoso.
Os
homens possuíam bestas com que faziam danos nas searas e nas vinhas alheias,
roubavam fruta e lenha, mas devido aos privilégios que detinham escapavam
sempre à justiça dos almotacés e, igualmente, à do concelho. Se a queixa era
apresentada ao juiz privativo o resultado era sempre nenhum.
A
lavra deu bom rendimento até ao reinado de D. João III que fez a doação das
minas a António da Fonseca, por Carta de 17 de Abril de 1526, mas como o
concessionário foi muito tirano e vexava os trabalhadores com impostos e
extorsões, a exploração acabou por falta de operários.[6]
II – de 1814 até 1826
A
ausência de referência a estas minas de ouro posteriores à Idade Média e à
época dos Descobrimentos terá tido origem não só na baixa rentabilidade da extração
aurífera como também à concorrência do ouro que passou a vir da Costa da Mina
(na costa de África) e do Brasil.
Somente
se volta a referir as minas de ouro (da Adiça) quando em 1814, por mandado de
D. João VI, o Doutor José Bonifácio de Andrada e Silva, Intendente Geral das
Minas, que mais tarde foi deputado da Assembleia Constituinte e Ministro do
Império do Brasil, procedeu a uma demorada e inteligente pesquisa, empregando
homens munidos de ferramentas de última invenção.[7]
Andrada
e Silva escolheu para executar o seu estudo o terreno da baía que começa na
Trafaria e termina no Cabo Espichel, a designada “costa do mar”,[8] escolha
baseada “nas notícias históricas que tinha obtido na Torre do Tombo”. O
trabalho de campo executado por Andrada e Silva, depois escrito e lido na
Academia Real, refere a existência de quatro zonas de mineração aurífera para
sul da Fonte da Telha e junto à “Barreira ou Medão que fica quase a pique, e
sobranceiro à fralda da praia”, a saber:
Adiça (ou Mina)
Muito
perto da Fonte da Telha na direcção do sul.
Príncipe Regente (na
Ponta do Mato)
Situa-se
quase a meio da baía[9]
encostada à “fralda da Barreira”.
Olhos de Água
Situa-se
mais a sul, a cerca de légua e meia (7,5 km) da Adiça. Cinco grandes nascentes
de água e mais uma enorme quantidade de boqueirões arrastam sedimentos
auríferos da Barreira para a praia.
Cruzinhas
Situa-se
junto à praia a sul da Lagoa d’Almofeira[10] e
nela existem importantes aglomerados de piçarra arenisca com muitos vestígios
de ouro.
E
ainda para a terra a dentro:
Azóia
Situa-se
no “distrito” da Azóia que fica a duas léguas da Mina Príncipe Regente e
arredada do mar quase meia légua.
Ponte das Cabeças
Situa-se
neste lugar uma cascalheira aurífera que se estende até aos baixos de Feital.
É
tradição entre os mais velhos da vizinhança do Cabo Espichel contarem que quando
no tempo do rei D. João V foram abertas minas de água na Azóia e o precioso líquido
transportado por um aqueduto até à Casa da Água para uso pelos peregrinos do
Círio de Nª Sª do Cabo se deu conta da existência de rochas que continham muito
ouro tendo, por isso, mandado parar a continuação da sua construção.
Na
falta de mestres e de obreiros especializados que “soubessem da mineração e
apuração de ouro em pó” Andrada e Silva contou com o saber de “hábil mineiro”
Manuel Nunes Barbosa, da Capitania de Goiás (Brasil), que mais tarde foi
nomeado Inspector e Mestre da nova mina designada “Príncipe Regente”.
O
mar, sempre o maravilhoso mar do Grande Areal, não é alheio a toda esta azáfama
aurífera. “Por um lado as ondas do mar embravecido sobre a imensa praia
desabrigada contrariam muitas vezes os nossos trabalhos de mineração, por outro
é o Oceano ao mesmo tempo um valentíssimo e excelente operário, que ajunta, e
deposita as fagulhas sem conto do ouro derramado, e as lava e apura sobre as
rampas da praia”.
III – de 1829 até 1834
Com
a tomada do poder real pelos Liberais (D. Miguel) há uma nova tentativa de
extrair ouro das minas da Adiça e de outras na margem sul do rio Tejo. Limitou-se,
no entanto, a um curto período de cinco anos.
Consideramos
ser relevante referir que a moeda de D. Miguel é mandada cunhar na Casa da
Moeda com ouro proveniente da mina da Adiça.
[Continua]
[Continua]
[1] Situada
nos areais e dunas da costa do Atlântico, desde o estuário do rio Tejo até à
Lagoa de Albufeira, assim designadas por nelas crescer um junco útil para a
alimentação dos cavalos e obras de cordoaria (do árabe).
[2]
RAU, Virgínia – “Aspectos do “Trato” da “Adiça” e da “Pescaria” do “Coral” nos
finais do Século XV, página 144 (nota de rodapé)
[3]
Igualmente designados por Mineiros ou Ourivieiros da Adiça
[4]
Corresponde à atual Arriba Fóssil da Costa da Caparica que Andrada e Silva
designou como “Barreira ou Medão”.
[5]
Chancelaria de D. Manuel, livro 29, fls. 69
[6]
Chancelaria de D. João III, livro 46, fls. 160
[7] MEMÓRIA
sobre a nova mina de ouro da outra banda do Tejo. Lida em 10 de Maio de 1815.
In Memórias da Academia Real, fls. 140 a 152
[8] A atual
cidade de Costa da Caparica foi designada em tempos passados por “Costa do
Mar”, “Costa do Pescado” e por “Cabanas da Costa”.
[9] Andrada
e Silva realizou o seu estudo sobre a produção aurífera numa área geográfica
correspondente à baía que naturalmente se forma desde a Trafaria, a norte, e o
Cabo Espichel, a sul.
[10]
Actualmente designada por Lagoa de Albufeira, de certo modo um pleonasmo.
sobre tudo que li sobre Adiça, há referencias Muito perto da Fonte da Telha na direcção do sul, e muito perto da Lagoa da Albufeira. Mas o local e os vestigios não existem, tendo muita gente dar palpites... Nunca houve sinais de que haja ouro em quantidade insignificante na Costa. Andrada e Silva escreve muito mas não diz nada.
ResponderEliminarCaro Pedro muito grato pelo comentário. Quanto às referências históricas elas vêm publicadas no ~ultimo artigo sobre este tema publicado hoje. Dúvidas há muitas mas continuaremos a aprofundar o tema com novas referências que procuramos. Saudações cordiais.
ResponderEliminarBoa tarde.
ResponderEliminarEstive a ler este artigo o qual avivou o meu interesse na exploração aurífera.
No final refere-se que o mesmo continua. Onde posso obter a continuação? Tem uma versão completa que me possa disponibilizar?
Melhores cumprimentos
Alberto Martinho
Caro Alberto, Escrevi um texto mais completo do que foi publicado. Entretanto, recolhi novos elementos a introduzir no texto o que não tem sido possível fazer atendendo a outras tarefas. Irei providenciar tal trabalho e logo lhe darei conhecimento. Muito grato.
ResponderEliminarCaro Vicktor
ResponderEliminarMuito agradeço a sua mensagem e disponibilidade.
A consulta da base de dados relacionada com as explorações mineiras (de todo o mundo) poderá ajudar: https://www.mindat.org/
Melhores cumprimentos
Alberto Martinho