Águas de
características mineromedicinais comprovadas que foram sucesso como água
engarrafada de qualidade superior e foram milagrosas na “cura da lepra e de
doenças de pele” desde tempos remotos
Águas dos Casais da Charneca
Nos indicadores
geográficos da Península de Setúbal das oito fontes de águas mineromedicinais
referenciadas, quatro situam-se no Concelho se Almada:
“Fonte do
Paraíso (Caparica), água cloro-sulfatada, sódica, cálcica e magnesiana
Fonte dos Casais
da Charneca (Charneca de Caparica), água hipotermal (17.7 graus C), cloretada
sódica e bicarbonatada cálcica, levemente sulfatada e radioactiva
Fonte da Pipa
(Cacilhas)
Fonte da Telha
(Caparica) captada na base da arriba.”
Referenciada na
mesma zona territorial a existência de quatro poços, o primeiro a nascente da
ribeira, em territórios da Charneca de Caparica e mais três a poente da
referida ribeira, na freguesia de Caparica, na Azinhaga da Rosa a caminho de
Vila Nova.
As referências às águas mineromedicinais da Charneca
de Caparica são muito antigas podendo ler-se menções à Fonte de Nossa Senhora
da Rosa na “Corografia” (1712) e no “Aquilégio” (1726) como pertencente à
cerca do convento do mesmo nome, dos Religiosos da Ordem de São Paulo Primeiro Eremita
que, não estando determinada a data da sua construção, sabe-se ser já habitado
por eremitas no ano de 1413. Refere-se a “Corografia”
nestes termos
“Na cerca tem
uma fonte com o nome de Nª Senhora da Rosa, cuja água é milagrosa e tem a
virtude de curar a lepra”.
Já em 1932 as
águas de “Casais da Charneca” eram referenciadas em Portugal Gráfico – Termas
de Portugal (ref. 49).
Portugal
Gráfico Termas de Portugal (1932) – col. Carlos Caria
Quanto à água da
Fonte dos Casais da Charneca (poço), depois de ser utilizada de um poço aberto
para fins agrícolas, foram nela reconhecidas capacidades curativas, tendo sido
analisada por um funcionário do Instituto Central de Higiene (Rego, 1922) que a
considerou “cloretada sulfatada”.
Analisada de novo mais tarde (Carvalho, 1945) e considerada
“a água dos
Casais da Charneca é fria, hipossalina, cloretada sódica e bicarbonatada
cálcica. De reacção alcalina, levemente sulfatada e fracamente radioactiva.
Esta alcalinidade (ausência de anidrido carbónico livre) distingue-se das águas
potáveis de composição análoga. Há ainda a notar uma cota elevada de catião
zinco e a presença nítida de arsénico.”
Acrescentando,
ainda,
“a água dos Casais
da Charneca é muito pura atestando a excelência da captagem”.
A Água Engarrafonada e os Pirolitos
O início da
comercialização da água da Fonte dos Casais da Charneca com a designação
comercial de Água da Quinta de S. Vicente data dos anos 20/30 do século
passado, sendo seu proprietário João da Silva Tavares, “o barateiro do Monte”,
com loja de fazendas, mercearias e vinhos de porta aberta no Monte de Caparica,
a quem foi atribuído o Alvará de concessão, publicado no DG, nº117, II série,
de 22 de Maio de 1924, com área reservada de 81 hectares.
O relatório de
Acciaiuoli (1947)[1]
respeitante aos anos de 1943-1946 refere que novas obras de captagem tinham
sido executadas e sobre a nascente [?] tinha sido construído um pavilhão
iniciando-se a comercialização desta água em 1945.
Depois de um
período de algum abandono, em que por despacho ministerial de 30 de Dezembro de
1939, publicado DG, nº5, 2ª série, de 6 de Janeiro de 1940, foi considerada
“abandonada”, esta água voltou ao mercado nos anos 40 do século XX, pela mão de
Armando da Costa Lima, a quem nova concessão foi atribuída em 24 de Agosto de
1943, publicada no DG, nº196, III série, sendo muito conceituada para os
tratamentos do estômago, intestinos, rins e de doenças de pele.
Em 1949 um
folheto turístico/publicitário recomendava a utilização das Águas Mineromedicinais
de Casais da Charneca aos visitantes da Praia do Sol. Um “slogan” muito bem concebido
“Uma estação
de repouso e alegria se está erguendo em Caparica à sombra do prestígio desta
preciosa e já famosa Água”
referenciava a
existência de uma Estação Termal.
Águas
mineromedicinais de Casais da Charneca 11-8-49 – col. Carlos Caria
Henrique da
Costa Lima chegou a solicitar estudos de viabilidade para a instalação na sua
Quinta de um complexo termal de características turísticas, o que nunca chegou
a concretizar.
A captação era
feita num poço de 12 metros de profundidade, originalmente para uso agrícola, situado
a poucos metros a poente da Quinta de S. Vicente e a nascentes da ribeira. A
cerca de dois metros do fundo um tubo de grés fazia a ligação à oficina de
engarrafamento, localizada a cerca de 80 metros a jusante do poço e para onde a
água corria por gravidade.
Poço
primitivo da Água dos Casais da Charneca
A água
desembocava num reservatório, abaixo do nível do solo, ao lado da oficina, com
um caudal de 1,6 metros cúbicos em 24 horas.
A água de
“Casais da Charneca” foi comercializada somente em garrafões de 5 litros com a
marca comercial de Águas de S. Vicente. Na mesma oficina eram fabricados os
designados “pirolitos”, água gaseificada com sabor ligeiro a limão, muito célebres
na década de 40 e 50 do século XX. A miudagem conseguia “sacar” da garrafa a
esfera de vidro fosco que lhe servia de fecho hermético para utilizar como
berlinde no popular jogo do “bilas”.
No tanque da
referida oficina existia um nicho que acomodava uma imagem de S. Vicente
patrono das águas aí produzidas, muitas vezes roubado e tantas outras reposto.
Águas
de “Casais da Charneca” – “Oficina” de engarrafamento (de garrafões) e de
fabrico de “pirolitos” – Marca comercial: Águas de S. Vicente
A Quinta de S.
Vicente é, à época, um lugar privilegiado de estágio de conceituados boxeurs e
praticantes de luta-livre, com destaque para Miguel França, Luís Augusto,
Tarzan Taborda, Zé Luís e Santa Camarão de quem o proprietário da Quinta, Costa
Lima, era “manager” e treinador.
Quinta
de S. Vicente que deu o nome à água engarrafonada
Esta exploração
comercial terá terminado no fim da década de 1960, por falecimento deste seu
último proprietário, tornando-se herdeira do local a Santa Casa da Misericórdia
do Porto.
José Mateus da
Silva, de 70 anos, ribatejano a viver há cerca de 40 anos na Charneca de
Caparica, com quem conversamos em 7 de Novembro de 2009, recorda-se
perfeitamente da existência de quatro poços, o primeiro no território da
freguesia da Charneca de Caparica e mais três na freguesia de Caparica, na
Azinhaga da Rosa a caminho de Vila Nova.
Conversámos
também com João Isidoro, conhecido por “João Pastor” e a quem os mais antigos
chamam “João Cabrão”, de 85 anos feitos no mês de Fevereiro de 2010, nascido na
Sobreda, que vive e pastoreia nas imediações das fontes que “conhece como as
palmas das suas mãos”.
João
Isidoro, o “João Pastor” que nos levou a visitar as fontes em 2010
De boa memória,
recorda os tempos idos em que chegou a trabalhar na Quinta de Monserrate em
vida do empresário Vasco Morgado, seu proprietário, embora o seu trajecto de
vida tenha sido normalmente a trabalhar por conta própria na agricultura, na
pecuária e no pastoreio. Excepção feita aos tempos em que fez uma incursão profissional
pela indústria, tendo trabalhado na Fábrica da Pólvora de Foros da Amora, onde
sobreviveu a duas violentas explosões e não tendo querido correr o risco de uma
terceira.
O João Isidoro
mostrou-nos alguns poços e fontes existentes no local referenciando-nos, em
especial, o poço que havia servido para abastecer a oficina de enchimento das
Águas dos Casais da Charneca e a fábrica de pirolitos.
Em razão da
existência deste importante aquífero, com algumas das suas emergências de água
de cariz mineromedicinal, concentrou-se nesta zona, com o decorrer do tempo, um
importante conjunto de edificações, dando importância a este núcleo
habitacional que no “Plano de Urbanisação
do Concelho de Almada”, de 1942, aparecia referenciado com destaque e com a
designação de Monserrate, mas que genericamente se designa Botequim.
© Victor Reis, 20110301 [Oficina
das Ideias] [Olho de Lince] [Histórias da História da Charneca de Caparica]
[20200727]
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Decretos-Leis n.ºs 332/97 e 334/97, ambos de 27 de Novembro, pela Lei n.º
50/2004, de 24 de Agosto, pela Lei n.º 24/2006 de 30 de Junho e pela Lei n.º
16/2008, de 1 de Abril [Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos]
[1]
ACCIAIUOLI, Luiz de Menezes Corrêa – HIDROLOGIA PORTUGUESA (1943-1946) -
Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos, Lisboa, 1947
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