Corre-me
nas veias o aroma dos pinheiros mansos; Corre-me nas veias o silêncio da Mata
tranquila; Corre-me nas veias a brisa e o marulhar do Mar; Corre-me nas veias o
caleidoscópio das cores das flores consoante a estação do ano; Corre-me nas
veias as pegadas dos animais e das aves que habitam a Mata; Corre-me nas veias
os voos e a "voz" dos corvídeos. A MATA DOS MEDOS É O MEU VÍCIO!
Situa-se
na área geográfica da Vila de Charneca de Caparica uma importante mancha
florestal hoje designada, desde 1971 [pelo Decreto-lei nº 444/71, de 23 de
Outubro], por Reserva Botânica da Mata Nacional dos Medos (R.B.M.N.M.).
Anteriormente, encontramos referência a esta mata como Pinhal do Rei ou Mata
dos Medos.
São
muitas as vivências das gentes da Charneca na Mata dos Medos tal como os mais
antigos recordam e vão transmitindo de geração em geração.
As
Colmeias da Charneca
Do
“Boletim de Fontes Documentais” editado anualmente pela Câmara Municipal de
Almada retirei uma “Postura da Camara da villa de Almada”, datada de 1750, e
que tem o número de referência 115, mantendo a grafia original:
“Postura que nenhuma pessoa não arranque, nem
corte matto nem cepa, nem esteva dois tiros de besta ao redor das cilhas em que
estiverem colmeyas”.
“Acordarão os ditos officiais e homens bons e
puzeram por postura que por verem o grande dano que se fazem nas colmeyas por
cauza de ao redor das cilhas aonde ellas estão se arrancar cepa de esteva, e
cortar matto pella qual razão vão as ditas colmeyas em muita diminuição e ha
muitas menos das que antigamente havia na Charneca
do termo desta villa o que he em grande prejuizo dos moradores, e muito grande
dano que se recebe nas ditas colmeyas querendo a isso prover mandarão que daqui
em diante nenhuma pessoa corte matto, nem arranque cepa, nem esteva dois tiros
e besta, ao redor donde estiverem cilhas que tenhão colmeyas que passe de oito
cortiços povoados sob penna do que o contrario fizer e se lhe provar ou for
achado cortando, ou arrancando cepa, esteva, ou matto por cada ves mil reis e
da cadeya, a metade para o concelho e a outra para quem o accuzar”.
A
Charneca, mais tarde Charneca de Caparica, situava-se no termo geográfico da
Vila de Almada e o seu nome tem origem, sem dúvida, no facto de ser um ermo
exposto ao sol forte de Verão, onde se situavam dispersas algumas quintas e um
ou outro casal. [O “Casal (de pão)” é uma propriedade rústica com uma casa
construída e menos importante do que uma quinta]
Do
texto também se induz a existência de algumas explorações apícolas na região
que era importante preservar e de que ainda existem vestígios, mais de 300 anos
passados, especialmente na zona do Cabo da Malha, em plena Mata dos Medos, onde
é produzido mel de um paladar esquisito devido à vegetação autóctone.
Reserva Botânica
da Mata Nacional dos Medos - Colmeias
A
referência às cepas indica, igualmente, a existência de uma produção
tradicional na região, de que ainda existiam vestígios há cerca de 20 anos.
Trata-se da produção vinícola, a partir de uvas de vinhas locais, que pela sua
qualidade e grau alcoólico era muito apreciado em Almada, onde uma taberna de
estilo anunciava todos os anos: “Vinho Novo da Charneca”. E esgotava em pouco
tempo.
Uma
última referência, esta generalizada a todo o Portugal de então, o elevado
hábito delator da população por mor do qual obteria alguns rendimentos
suplementares.
Salvo-conduto
de palavra
Na
Charneca de Caparica, para sul do Marco Cabaço, as terras são arenosas e
praticamente intransitáveis. A cobertura botânica é constituída por mato e
outras plantas arbustivas, como seja a aroeira que deu nome à zona, por
pinheiros bravos e mansos e por amplas zonas de juncal. Aqui e ali despontam
medronheiros e figueiras, cujos frutos deliciam os passantes.[A par com os
medronheiros (arbusto), as figueiras e as oliveiras são consideradas as árvores
históricas da Charneca de Caparica]
Esta
zona é praticamente inabitada, sendo muito poucas as pessoas com coragem para
entrar em lugar tão ermo, sobre o qual se contam histórias ou lendas de maus
encontros, de lobisomens que aparecem em noites de lua cheia nos cruzamentos ou
mesmo de foragidos da lei que aqui se acoitam protegidos pelo denso matagal.
Contudo,
quem se atrevesse a percorrer o pinhal na calada da noite, apercebia-se, aqui e
ali, do tremelicar de uma luz, normalmente candeia de azeite ou de petróleo,
vinda de algum barraco construído na mata e onde vivem as famílias menos
abastadas, muito abaixo do limiar da pobreza. As gentes da Charneca de Caparica
conhecem-nos por “toupeiras” pois à aproximação de estranhos fecham-se dentro
de casa e não mais se deixam ver.
A
Mata dos Medos é lugar de difícil acessibilidade onde se acoitam bandidos e
outros foragidos da lei. A própria Guarda tem dificuldade em entrar nas zonas mais
recônditas do pinhal.
Contam
os mais antigos que depois do pôr-do-sol somente entrariam no Pinhal do Rei
aqueles que, pela confiança que neles tinham os foragidos, possuíssem o chamado
“salvo-conduto de palavra”, código de “honra”, senha e contrassenha que deveria
ser dita a quem interpelasse os forasteiros. [O pai da dona Milu (Maria de
Lurdes Seixas) nascido em 1881, criador de cavalos na Sobreda, era um dos
homens que tinha o privilégio de possuir o “salvo-conduto de palavra”]
A
terça-feira da lenha
Contam
os mais antigos haver um dia determinado da semana, a terça-feira, em que é
permitido ao Povo, a viver em profunda penúria, colher lenha da mata nacional,
lenha seca sem magoar os pinheiros, para ser utilizada para as lareiras e para
o “fogo de cozinhar”. Famílias inteiras reservam esse dia para a recolha de
lenha, pois o excedente às suas necessidades de utilização sempre representa
com a sua venda uns centavos adicionais para o magro orçamento familiar.
Na
época apropriada, aproveita o povo esse dia para colher pinhas, que vendidas
para Almada ou para Lisboa e mesmo nas quintas da região, representam um
acréscimo aos seus parcos rendimentos. Somente estão autorizados a recolher
pinhas secas, mas de forma furtiva sempre recolhem pinhas de pinheiro manso,
pois os pinhões já são, nessa época, pagos a bom preço.
Os carvoeiros
Muitos
homens têm então a actividade de carvoeiros passando, igualmente, semanas
inteiras no pinhal. O José Silvério, o José Lota, o Ti China, o João Santos e o
Cipriano Santos, entre outros, são carvoeiros.
Nos
pinhais cavam enormes covas que enchem de tocos de pinheiro que põem a queimar
em fogo lento, controlado por estar coberto por areia. Ao fim de uma semana
retiram a cobertura de areia e aproveitam o carvão que entretanto resultou dos
tocos ardidos.
Vendem
o carvão à população em sacos de 10 e 20 quilos e também para as carvoarias de
Almada, Cacilhas e Costa.
Este
carvão, por conter um elevado grau de areia, não serve para alimentar as
fornalhas das caldeiras da Fábrica da Pólvora de Vale de Milhaços. O carvão que
aí é utilizado é obtido nas instalações da própria fábrica, em equipamentos
próprios a partir da lenha do pinhal mas sem envolver o uso de areia.
Forno para
produção de carvão vegetal (exemplo) [@Wikimedia Commons]
Os fogos florestais
Pese
o facto de tempos a fio defronte dos “bardos” que improvisavam na Mata dos
Medos acenderem fogueiras para se aquecerem e afastarem os animais selvagens, e
para confecionarem as parcas refeições, não há notícia daí resultarem fogos que
de qualquer forma prejudicassem a mata.
Mais
tarde, decorria o ano de 1981, já então a Mata dos Medos era utilizada para
lazer e a povoação da Charneca da Caparica se havia expandido quase à dimensão
actual um violento fogo florestal devastou importante área de mato e pinhal
tendo envolvido na sua extinção dezenas de viaturas e centenas de bombeiros das
cooperações voluntária do concelho: Almada, Cacilhas e Trafaria. As
radiocomunicações de emergência sendo as condições institucionais muito limitadas
à época tiveram um grande apoio numa associação de utilizadores de
radiocomunicações, o Caparica CB – Radio Emergency Service.
Posteriormente
ainda se verificaram fogos florestais de alguma monta na falésia da Charneca de
Caparica, em 1984, na Mata do Zimbral em 1985, no acacial da Costa da Caparica
em 1991 e em 2016 na Arriba Fóssil junto à Descida da Foz do Rego.
A
partir do ano de 1985 uma nova política de prevenção dos fogos florestais foi
implementada: “Os fogos de Verão apagam-se no Inverno”. Daí resultou a
existência de um importante dispositivo de dissuasão e de prevenção de fogos
florestais que levou à redução drástica da área anual ardida.
Saber
mais:
[1]
“Postura da Camara da villa de Almada”, datada de 1750, e que tem o número de
referência 115, mantendo a grafia original in “Boletim de Fontes Documentais”
da Câmara Municipal de Almada
©
Victor Reis, 20110311 / 20180824, [Oficina das Ideias] [Histórias da História
da Charneca de Caparica] [RB Mata Nacional dos Medos] [20200706]
©
Protecção dos Direito de Autor ao abrigo do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de
Março, e alterado pelas Leis n.ºs 45/85, de 17 de Setembro, e 114/91, de 3 de
Setembro, e Decretos-Leis n.ºs 332/97 e 334/97, ambos de 27 de Novembro, pela
Lei n.º 50/2004, de 24 de Agosto, pela Lei n.º 24/2006 de 30 de Junho e pela
Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril [Código do Direito de Autor e dos Direitos
Conexos]
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